Romaria Release
ROMARIA
Uma procissão, normalmente formada por devotos, em direção a um local considerado sagrado. Quando comunidades se encontram no intervalo entre a partida e o retorno, há algo no reencontro que deve ser considerado sagrado.
Em Cabo Verde, o labor é transmutado em energia e o afeto é encapsulado em objetos que viajam em bidões, barris enviados em contêineres por trabalhadores cabo-verdianos em diáspora, repletos de produtos importados que vão desde roupas até alimentos. Esses produtos abastecem tanto o mercado local quanto as casas daqueles que permaneceram na terra.
A partilha de bens materiais sustenta os sistemas familiares. O presente de um parente distante, ou uma bolsa de grife comprada em um mercado de segunda mão à céu aberto tornam-se reimaginação de símbolos materiais de prosperidade e "uma promessa de que sempre poderemos nos reencontrar e nos ver uns nos outros".
É durante a época das romarias religiosas, seja a de Nhu Santo Amaro ou de qualquer outro santo padroeiro que nomeie uma vila ou município, que os filhos de Cabo Verde retornam às suas casas. A "sodade" assume o potencial de recriar identidades locais, em diálogo constante com um mundo globalizado, fundado a partir da gramática racial que desde o tráfico transatlântico de escravizados dependeu da lógica da exportação e importação de bens, recursos e mão-de-obra. Tais andanças tradicionais guardam semelhanças com aquelas que ocorrem no território brasileiro, onde multidões se reúnem em torno de eventos como o Círio de Nazaré, em Belém do Pará, ou em Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Assim como na Romaria de Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, ou nas festas de São Jorge, no Rio de Janeiro. Dessa forma, a sacralização do reencontro se concretiza enquanto o profano coexiste na secularização das práticas tradicionais.
A coleção ROMARIA especula sobre as implicações do retorno periódico dos (i)migrantes às suas terras natais e sua influência no comportamento cultural local. Nesse contexto, as festas tradicionais cabo-verdianas servem como pontos de reflexão. As estampas assinadas pelo artista brasileiro Maxwell Alexandre, que juntamente com a Igreja do Reino da Arte costuma promover peregrinações pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, sugerem uma conexão profunda com a prática da caminhada pela fé de se reunir ou reencontrar.
Angela Brito faz uma observação contrastante ao abafar as cores vibrantes e texturas sintéticas das peças importadas que adornam os corpos durante essas celebrações e demonstra que a influência dos (i)migrantes na cultura local transcende a simples absorção, transformando-se em uma fusão de referências de moda. Ela incorpora tons suaves, como lilás, bege, preto, off white e cinza, que são utilizados de uma forma mais sutil, empregados no panu di tera, tecido tradicional cabo-verdiano presente em suas coleções anteriores.
Suas criações representam um diálogo contínuo entre o novo e o antigo, onde as vestimentas ganham vida como uma narrativa de pertencimento em constante transformação. Dessa forma, somos convidados a testemunhar a cultura como uma constante reinterpretação.